Por Priscylla Silva
Na maior mobilização de sua espécie na história americana moderna, milhões de manifestantes se reuniram em mais de 2.700 cidades para defender a democracia, expressar descontentamento com o governo Trump e advertir contra um caminho que acusam de “monárquico”.
No sábado (18 de outubro de 2025), agentes públicos e civis de todos os estados dos Estados Unidos tomaram as ruas como parte de uma mobilização em larga escala denominada No Kings Protests. A meta dos organizadores: denunciar o que consideram uma deriva autoritária do presidente Donald Trump e seu governo.
Segundo o site oficial que faz a chamada geral para o movimento, uma definição deste protesto seria: “Nosso movimento pacífico está cada vez maior. “Sem Reis” é mais do que um simples slogan; é a base sobre a qual nossa nação foi construída. Nascido nas ruas, gritando por milhões, carregado em cartazes e cânticos, ele ecoa dos quarteirões às praças rurais, unindo pessoas em todo o país para lutarem juntas contra a ditadura.
Porque este país não pertence a reis, ditadores ou tiranos. Pertence a Nós, o Povo — as pessoas que se importam, que comparecem e que lutam por dignidade, uma vida que podemos pagar e oportunidades reais. Sem Tronos. Sem Coroas. Sem Reis.”
O que motivou a mobilização
O protesto surgiu como reação a uma série de medidas e condutas da administração Trump que críticos definem como centralização de poderes, uso ampliado das Forças Armadas em solo doméstico, ataques percebidos às instituições democráticas, além de uma retórica que muitos associam a práticas antidemocráticas.
Sob o lema “No Kings” (“Sem Reis”), os manifestantes expressaram que os Estados Unidos não devem voltar a modelos de poder unipessoal ou excessivamente concentrado — ideia que o slogan evoca diretamente.
Escala e repercussão
Segundo estimativas dos organizadores, cerca de 7 milhões de pessoas participaram das manifestações em 2.700 cidades. Uma estimativa independente sugere ~4,4 milhões como limite mínimo plausível.
Cidades como Nova York, Washington D.C., Los Angeles, Chicago e San Francisco registraram os maiores aglomerados. Em Washington, a organização estimou cerca de 200 mil pessoas; em Manhattan, a polícia local avaliou mais de 100.000 manifestantes.
Apesar de sua magnitude, os protestos transcenderam o mero número. Para analistas, esse tipo de mobilização amplia a visibilidade pública de uma resistência ampla, mesmo que não gere resultados imediatos.
Perfil e tom dos protestos
O ambiente nas ruas misturou tom de festival com urgência. Muitos participantes usaram fantasias infláveis, adereços criativos, slogans bem-humorados e grandes faixas com os dizeres “NO KINGS”. A atmosfera era, em geral, pacífica — o que, para os organizadores, era parte da estratégia: demonstrar que expressar oposição ao poder pode ser ordenado e legítimo.
Entre os participantes havia mobilizados de diferentes perfis: ativistas de longa data, cidadãos de diferentes gerações, ex-eleitores de Trump que se diziam arrependidos, além de grupos de base sindical e de direitos civis. Um deles disse, resumindo o clima em Washington: “Se perdermos o ímpeto, perdemos a luta.”
Vozes de apoio e reação oficial
Líderes progressistas saudaram a mobilização como sinal de alerta para o que consideram um momento crítico da democracia americana. Já autoridades e vozes republicanas reagiram com críticas, qualificando as manifestações como anti-americanas ou desequilibradas.
Por sua vez, Trump divulgou um vídeo gerado por inteligência artificial no qual aparece sobre um jato militar com coroa, despejando dejeto sobre manifestantes — gesto que, segundo observadores, reforçou o senso de que parte da administração despreza a dissidência popular.
Impactos políticos e o que está em jogo
Ainda que protestos massivos raramente produzam mudanças imediatas, analistas afirmam que o “No Kings” pode marcar uma virada no humor público. O presidente está com índice de aprovação negativo profundo e esta mobilização envia uma mensagem: o descontentamento existe, é visual e pode influenciar eleições futuras.
Além disso, o movimento reúne uma aliança informal de grupos — ONGs, sindicatos, ativistas – que se propõem a dar continuidade ao embate político, organizando-se também para intervenções locais, legislações e eleições de meio de mandato.
Estados como a Califórnia, que já trava disputas judiciais com o governo federal, foram palcos de protestos e reações governamentais paralelas, reforçando que o conflito se dá também entre diferentes níveis de governo.
Riscos e desafios
Para todos os que observam o movimento, o grande desafio está agora em manter o foco, converter a energia de rua em mudança política concreta, e evitar a dispersão ou o esvaziamento após o momento de pico.
Alguns manifestantes admitiram temor: “o presidente é mais poderoso do que nunca… Estamos na descida e ainda não batemos no fundo”, afirmou um jovem em São Francisco.
Há também o risco de repressão ou escalada — embora o sábado tenha sido pacífico em grande parte, a presença de forças federais, uso de tropas em algumas localidades e o discurso de criminalização do protesto por adversários acendem sinais de alerta para tensões futuras.
As manifestações do “No Kings” evidenciam que uma parcela significativa da população americana se sente alarmada com a direção política tomada no país. Mais do que um protesto isolado, trata-se de um sinal de resistência organizado, com ambição de permanência. Resta saber se este momento manterá impulso e transformará sua energia em resultados duradouros — nas ruas e nas urnas.
//Fontes: NoKings; Reuters; The Guardian; TIME