Às 19h02 da última sexta-feira de junho, mais um avião com brasileiros deportados dos Estados Unidos pousava no Aeroporto Internacional de Belo Horizonte, em Confins, na Região Metropolitana. Em torno de 50 minutos depois, os passageiros, vestidos de roupas brancas, com sapatos pretos nos pés e um saco nas mãos, cruzavam a área de desembarque.
Em 2024, ano em que a imigração é um tema central na eleição presidencial dos Estados unidos (leia mais abaixo), 516 brasileiros já foram deportados do país, segundo a Polícia Federal, todos por Confins. De acordo com a concessionária BH Airport, seis voos com deportados pousaram no aeroporto neste ano.
Alguns imigrantes passavam direto, com o passo apressado. Outros vasculhavam o terminal à procura de uma tomada para recarregar o celular, e parte buscava um aparelho emprestado para avisar a família que tinha chegado com segurança. O plano de alguns era comprar uma passagem, ainda naquela noite, para a cidade de origem, em diferentes partes do Brasil. Outros não tinham sequer um centavo no bolso. O g1 conversou com três pessoas, deportadas por imigração ilegal, que não quiseram se identificar. Mais do que a frustração pela deportação, elas tinham em comum o sentimento de alívio por estar de volta ao Brasil após meses de detenção em território norte-americano. “Te tratam como se fosse um cachorro amarrado na corrente”, disse um dos imigrantes. O g1 questionou a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil sobre as declarações dos deportados, mas não obteve retorno até a última atualização desta reportagem.
‘Passei de prisão em prisão’
Um homem de 34 anos, que nasceu em Umbaúba (SE), retornava ao Brasil depois de dez anos nos Estados Unidos. Ele entrou no país com visto de turista e permaneceu de forma ilegal após o documento perder a validade. Trabalhava com construção, ganhando de US$ 800 a US$ 900 por semana, em Kentucky, até que, um dia, foi parado pela polícia quando estava dirigindo.
“Passei por um processo na Justiça, coloquei advogado, mas não consegui. Passei de prisão em prisão, fiquei quatro meses preso. Foi muito difícil. Eu nunca estive preso no meu país de origem para ficar preso em outro país”, disse. O sergipano circulou por detenções em quatro estados diferentes – apenas em uma podia ligar para a família. Nas outras, passava os dias sem dar e receber notícias. “Minha família estava aterrorizada, minha mãe, meus parentes, minha avozinha, todos estavam bem tristes, minha mãe tinha dia que não dormia”, contou. No período em que ficou nos Estados Unidos, o brasileiro se casou com uma cubana e teve um filho, que hoje tem 2 anos. Ele planejava voltar para Sergipe e trazer a família para o Brasil. Voltar aos Estados Unidos, só legalmente.
“Eu não aconselho ninguém a ir para lá ilegal. A vida de imigrante é muito difícil, porque você tem que ficar se escondendo. Tem trabalho, ganha bem, mas tem que estar se escondendo, não tem vida, a verdade é que você não tem vida, porque só trabalha. Para conseguir um dinheiro tem que trabalhar de domingo a domingo e, no restante do tempo, tem que ficar em casa, porque, se você sair, pode ser arriscado. Eu, graças a Deus, não quero voltar”, afirmou.
‘Te tratam como se fosse cachorro’
Um mineiro de 24 anos, de Frei Lagonegro, no Vale do Rio Doce, foi deportado pela segunda vez. Na primeira tentativa, em abril de 2023, conseguiu entrar nos Estados Unidos, apresentou-se para a imigração e acabou sendo mandado de volta para o Brasil, dois meses depois. Em dezembro, tentou novamente, com os irmãos, em busca de uma “oportunidade de vida melhor”. Ele fez a travessia de Juarez, no México, para El Paso, no Texas, dentro de um vagão de trem de carga, em um esquema organizado por coiotes. “Passei muito sufoco no México. Tentaram me sequestrar, corrupção demais, tem que ficar pagando tudo, correndo risco de vida o tempo todo. Cada viagem é uma viagem, as minhas duas foram muito complicadas. Eu fiquei espremido no trem, em um espacinho que não dava 20 cm, durante oito horas. Estava entre a vida e a morte ali”, contou.
Quando ainda estava no trem, na fronteira entre México e Estados Unidos, o jovem foi pego – os irmãos conseguiram entrar. Ele ficou dois dias algemado e, em seis meses, passou por seis centros de detenção. “Dependendo da imigração, não deixam você dormir, te prendem, te soltam. Tem algumas que só pode sair no sol uma vez por semana. A comida é muito ruim, te alimentam na hora que querem. Eu saí daqui gordinho, estou voltando só o osso, perdi uns 10 kg. Alguns oficiais são tranquilos, têm coração, mas a maioria maltrata demais. Te tratam como se fosse um cachorro amarrado na corrente. Tem que pegar muito com Deus para vir embora rápido”, relatou. De volta ao Brasil, o jovem quer voltar a trabalhar como serrador, perto da família. “Isso para mim se tornou uma droga psicológica, porque você vai uma vez, vai outra, depois vai outra, e sua vida vai embora. Você perde tempo com sua família, perde oportunidade de conquistar as coisas aqui. Quero recomeçar minha vida. Como meus irmãos conseguiram, eu fico satisfeito, posso recomeçar minha vida aqui”.
‘Não quero voltar’
Uma das poucas mulheres entre o grupo de deportados queria tentar a vida nos Estados Unidos após ter sido vítima de violência doméstica em Governador Valadares, no Vale do Rio Doce. Ela entrou no país pelo mar, de jet ski, em março deste ano. Foram quatro dias de tentativas – nos três primeiros, agentes da imigração estavam na fronteira, e ela teve que retornar para o México.
“Eu caí dentro do mar, estou viva pela glória de Deus. O mar estava muito violento, tive que nadar, passei muito frio”, contou. No quarto dia, ela, o coiote e outra imigrante que estavam na moto aquática conseguiram chegar a San Diego, na Califórnia. Eles se esconderam, entraram em um carro e, cinco minutos depois, foram capturados pela imigração. A mineira, de 26 anos, passou três meses detida. “Era todo dia a mesma coisa: café da manhã, às 5h30, almoço, às 11h30, e jantar, às 17h30. Cada habitação tinha oito pessoas, tinha tablet, cobertor, água quente. Não tenho nada a reclamar em questão de médico, só que, em questão de tratamento, não era bom. Gritavam assim: ‘Desse jeito vocês não vão entrar no meu país’”, contou. A valadarense, que tem família nos Estados Unidos, já tinha sido deportada do país outra vez. “Agora, não sei como vão ser as coisas. Por agora, não quero voltar. Não sei futuramente”.
Deportação
A deportação é o processo de remoção de imigrantes irregulares ou de imigrantes regulares que tenham cometido crime. De acordo com a advogada Paula Infante, especialista em direito internacional, atualmente, os brasileiros que entram ilegalmente nos Estados Unidos geralmente se apresentam aos agentes de imigração, para que possam entrar com pedido de asilo. “No governo Biden, tem tido mais flexibilidade, e muitas pessoas têm sido liberadas, com tornozeleira eletrônica, desde que informem o endereço aonde vão ficar. É muito difícil para brasileiros terem o asilo concedido, porque o Brasil não é um país em guerra ou com perseguição política, mas, na maioria das vezes, o pedido demora anos para ser finalizado e, nesse tempo, a pessoa recebe autorização para trabalhar”, explicou a advogada.
Segundo ela, na maioria dos casos, como os brasileiros não conseguem comprovar a necessidade de asilo, acabam sendo deportados ao fim do processo, decidido na Justiça. Além disso, conforme a especialista, em algumas situações, as pessoas pegas pela imigração permanecem nos centros de detenção e são deportadas sem serem liberadas em nenhum momento. De acordo com o Ministério das Relações Exteriores, geralmente, o período de detenção varia de um a três meses. Nem sempre os brasileiros detidos podem ligar para os familiares, mas, em todos os casos, eles podem acionar o Consulado brasileiro.//BPRESS