O presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, disse que quer alterar a política de cidadania por nascimento nos Estados Unidos. Especialistas ouvidos dizem que a medida deve enfrentar resistência no Congresso e nos tribunais. Trump diz que vai emitir ordem sobre o tema no primeiro dia de governo.
O republicano afirma que os Estados Unidos são “o único país que tem a cidadania por direito de nascença”, o que não é verdade —diversos países, incluindo o Brasil, adotam o mesmo princípio. Em entrevista à NBC em 8 de dezembro, o presidente eleito disse que vai tomar medidas para acabar com essa garantia.
Hoje, qualquer pessoa nascida nos Estados Unidos torna-se automaticamente um cidadão americano. Isso se aplica tanto a filhos de pais ilegais quanto a nascidos de pessoas com visto de turista ou estudante que planejam retornar ao seu país de origem —a prática é comum entre brasileiros, que chegam a gastar mais de R$ 200 mil para dar à luz no exterior. Mais de 5 milhões de menores vivem com seus pais indocumentados nos EUA, segundo o Migration Policy Institute. A retirada desse direito poderia dobrar o número de indocumentados, de 11 milhões para 24 milhões até 2050 Trump se refere a essas pessoas como “bebês-âncora”. Aos 21 anos, o filho pode requerer o direito de cidadania de seus pais também.
Especialistas dizem que proposta de Trump é legalmente contestável. “Uma ordem executiva não pode alterar a Constituição”, explica Daniel Toledo, advogado especializado em Direito Internacional. A cidadania por nascimento é assegurada pela 14ª Emenda, que estabelece: “Todas as pessoas nascidas ou naturalizadas nos Estados Unidos, e sujeitas à sua jurisdição, são cidadãs dos Estados Unidos”. Alterar a Constituição exige um processo legislativo longo e politicamente complexo. Segundo Toledo, “qualquer mudança dependeria de aprovação por dois terços do Congresso e ratificação por três quartos dos estados”. A cidadania por nascimento é uma tradição de países colonizados, usada para formar populações nacionais. “Na linguagem técnica, chamamos isso de Ius soli (princípio legal que determina a cidadania de uma pessoa com base no local de nascimento)”, explica Luiz Philipe Ferreira de Oliveira, advogado constitucional.
Trump deve encontrar barreiras no Congresso
Histórico bipartidário. Andréia Fressatti Cardoso, doutoranda em Ciência Política pela USP, que estuda direitos humanos, imigração nos Estados Unidos e indocumentados, destaca que, apesar de uma maioria republicana no Congresso, a questão migratória historicamente recebe oposição bipartidária. “Até mesmo presidentes como Ronald Reagan aprovaram uma ampla anistia para imigrantes nos anos 80”, lembra. Segundo Toledo, “a Suprema Corte tem um histórico de defender a cidadania por nascimento”. “Qualquer tentativa de reinterpretar a 14ª Emenda enfrentaria desafios judiciais imediatos”, explica. Cardoso relembra que remover cidadanias é um tema delicado. “A experiência histórica da Alemanha nazista e outras nações levou à inclusão do direito à cidadania na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948”.
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